Preconceito intrínseco e sua relação com a interpretação comunitária

Muitos códigos de ética enfatizam que intérpretes devem atuar de forma imparcial e neutra. Excertos que tocam nessas questões tornam clara a existência de um fenômeno que condiciona como pensamos, nos posicionamos e agimos em relação ao outro: o preconceito intrínseco, que pode ser definido como estereótipos subconscientes ou enviesamentos que ocorrem de maneira automática e desproposital que, no entanto, afetam nosso julgamento, decisões e comportamentos. Estes enviesamentos podem tomar a forma de traduções, também enviesadas, em detrimento de algum dos interlocutores, geralmente a parte mais vulnerável e em posição de desvantagem. 

 

Suponha que seu preconceito intrínseco seja racial e que está interpretando para uma pessoa por quem sente aversão, já que a associa a certos estereótipos. Sua linguagem corporal pode revelar sua atitude em relação a esse participante. No entanto, um ponto importante aqui é que seu comportamento linguístico, ou seja, a tradução, resultado de seu filtro enquanto sujeito histórico-social, pode refletir seu preconceito. 

 

Dessa maneira, um ponto central na formação de intérpretes é a conscientização em relação a enviesamentos, principalmente àqueles cuja existência ainda não notamos ou ignoramos. Para isso, o TAI (Teste de Associação Implícita) se mostra útil. O TAI foi criado para investigar as origens  inconscientes do pensamento e das emoções humanas. O site foi construído com vistas a oferecer a pessoas interessadas uma espécie de ferramenta que lhes permitisse adquirir maior conhecimento sobre as suas preferências e crenças inconscientes.

 

Anos atrás, Fiódor Dostoiévski escreveu: "Todo homem tem recordações que ele não diria a ninguém, a não ser aos seus amigos. Também possui outras lembranças na sua mente que não revelaria mesmo aos seus amigos, mas apenas a ele próprio, e assim mesmo em segredo. Mas há outras coisas que um homem tem medo de dizer até a si próprio e todo homem decente tem um certo número dessas coisas guardadas na mente." 

 

Estas palavras de Dostoiévski contém dois conceitos que o TAI permite que examinemos. Primeiramente, não queremos compartilhar nossas atitudes pessoais com outras pessoas a todo momento. Segundo, não estamos  necessariamente conscientes de algumas de nossas atitudes. Os resultados que obtiver no TAI podem incluir ambos os componentes, de controle e de consciência, medindo atitudes e crenças implícitas que as pessoas ou não querem ou não conseguem revelar.

 

Estar consciente sobre seus preconceitos permite que você modifique, caso deseje, seus comportamentos a  fim de atuar de maneira menos enviesada. Dar voz a crenças potencialmente ofensivas em encontros em que atuará como intérprete pode colocar toda a interação em perigo, principalmente em situações que envolvam pessoas pertencentes a alguma minoria ou vítimas de alguma violência. É por essa razão que muitos códigos de ética reiteram  a importância de ser imparcial e neutro diante de narrativas e diante dos sujeitos para quem interpreta. 

 

Veja alguns casos em que o preconceito de intérpretes foi manifestado durante interações mediadas:

 

Uma vez, um paciente da comunidade LGBT admitiu que um intérprete disse que o estilo de vida dela era pecaminoso e a tratou com desdém durante o curso da sessão.

 

Não falar a língua de um país já é uma experiência alienadora. Ser constrangido pela pessoa que deveria atuar como um intermediador só salienta a posição vulnerável em que imigrantes e solicitantes de refúgio, por exemplo, se encontram. 

 

“Embora os pacientes com quem trabalho estejam familiarizados com críticas, eles não são imunes a elas. Comentários assim podem exacerbar o trauma que eles estão experienciando ou já experienciaram. Demonstrações de preconceito podem impedir que um paciente desabafe e podem fazer com que percam a confiança na figura de intérpretes.”

 

[...] o paciente corrigiu o intérprete, afirmando que era ‘indígena’ e não ‘índio’ . De acordo com o paciente, o intérprete riu, disse que era tudo a mesma coisa e começou a fazer piadas sobre comunidades indígenas. Como resultado, o paciente revelou que evitou se comunicar durante o encontro por meio do intérprete porque se sentiu muito desconfortável.

 

Exemplos como os acima são apenas ilustrações de como atitudes supostamente “inócuas” impactam grandemente interações mediadas e os alvos de comentários racistas, xenófobos e homofóbicos, por exemplo. 

 

Pensa em ser intérprete? Que tal fazer o teste TAI? Conheça-se mais!

 

Imagem: Freepik


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